segunda-feira, 7 de julho de 2008

ENTREVISTA 2 - Vera Maria Rausch

Entrevista realizada por : Fernanda Paganin , Guadalupe Tomazzoli , Gustavo Wolffenbüttel, Simone Rodrigues

Entrevistamos a professora Vera Maria Rausch, licenciada em Belas Artes, com mais de 30 anos de experiência como professora de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Já trabalhou em Porto Alegre, mas grande parte de sua experiência foi em escolas públicas de uma cidade do interior, Dois Irmãos. A entrevista aconteceu com bom humor e espontaneidade. Vera dividiu suas experiências, suas aprendizagens, nos inspirando.


Qual o objetivo da arte na educação e o papel do professor de arte?

Vera Maria Rausch: A Arte é uma linguagem, portanto é um meio do homem expressar emoções, percepções, sentimentos, idéias e conhecimentos. A Arte na educação tem o objetivo de oportunizar ao aluno a se expressar, inventar e criar, desenvolvendo a sua capacidade criadora, a observar o mundo que o rodeia, desenvolvendo um olhar crítico através do conhecimento de diversas produções artísticas de diferentes épocas e lugares. Através deste conhecimento o aluno vai aprender a respeitar todas as formas de expressão artísticas ou não. O professor é mais um mediador da Arte e um facilitador do contato do aluno com o mundo artístico, do que alguém que ensina Arte. O professor precisa dar ferramentas para que o aluno possa se expressar, mostrando como utilizar materiais e aplicar técnicas, facilitando a própria produção do aluno.


Qual a sua formação?

VMR: Fiz o curso de magistério em nível médio, depois fiz o curso de licenciatura em desenho e plástica no antigo IBA – Instituto de Belas Artes de Novo Hamburgo, depois integrado a Feevale. Mais tarde fiz curso de pós-graduação em Estimulação precoce de 0 a 6 anos na UFRGS.


Como era a metodologia de ensino na faculdade, em formação de professores de arte-educação?

VMR: Não sei como é que estão as coisas hoje em dia. Antes talvez a faculdade de Artes Visuais era um pouco mais acadêmica. Não que a gente não tivesse liberdade de criação. Os professores que trabalhavam com técnica, nos ensinavam realmente a técnica, para que pudéssemos desenvolver o nosso trabalho de criação. Era licenciatura, mas nós estávamos nos formando artistas também. A gente se preparava pra exposições, fazíamos para ter resultado. E os professores da área de didática e de formação nos ensinavam teoria conectada com a prática. Eu aplicava aquilo que aprendia nas aulas práticas. Mas não quer dizer que o ensino não tivesse falhas. A gente brigava bastante, a gente reclamava e exigia dos professores.


E como eram as práticas de ensino na escola?

VMR: Nesta formação havia uma cobrança bem forte, dentro das matérias didáticas. O estágio era um terror, quer dizer, por que era muito exigido, a gente fazia um planejamento prévio, depois fazíamos uma sondagem, depois o planejamento era feito a partir dos interesses daquele grupo. Fazíamos um projeto de aplicação, depois se avaliava esse projeto. Essa era a orientação que a gente tinha pra trabalhar futuramente. Não fazíamos o que vinha na cabeça, tínhamos um projeto, uma intenção. Essas orientações valeram muito para minha vida profissional.


Então o curso de formação de arte-educadores era muito melhor do que o que nós temos hoje em dia?

VMR: Eu acho. Eu não estou na universidade, mas a tenho a impressão que hoje os professores e os alunos estão mais perdidos.


Qual a metodologia que você utiliza com os alunos?

VMR: No começo, nos meus primeiros anos de trabalho, eu levava muito a sério as orientações dos professores, levava a sério o planejar. Com o tempo, fui adquirindo experiência, e daqui a pouco eu já não precisava mais ter aquele planinho pronto. Eu fazia uma sondagem de interesses dos alunos, aproveitava algumas coisas que pintavam no grupo. Mas, mesmo quando eu fazia o planejamento, falando assim no final da minha carreira, planejava que em tal ano iríamos trabalhar tais e tais coisas, daqui a pouco eu mudava, porque ai eu via que pintava um outro assunto, e então eu mudava. Eu acho que também temos que ser flexíveis. Em termos de técnica, por exemplo, eu proponho de trabalhar algumas delas. Lembro-me de uma história que trabalhei numa turma por causa da pomba do Picasso, que era uma campanha da paz. Do Picasso a gente foi ver o cubismo, dali nós fomos pro Portinari, ai estudamos o Portinari, mas tudo acontecia, meio assim, fluía. Eu tinha que ficar atenta com aquilo que pintava. No começo não é que eu não sabia que eu ia trabalhar. Como Portinari retratava muito esta questão do trabalho, eu fui visitar com os meus alunos uma fábrica de calçados, pois a maior atividade em Dois Irmãos é a indústria calçadista, e o que se observou foi que aqui não se trabalha com café, com algodão, que são assunto que o Portinari retratava. Foi bem interessante, eles foram, observaram e desenharam as pessoas trabalhando naquela atividade, depois chegaram em aula e ampliaram os desenhos, fizeram painéis maiores, depois até presentearam a fábrica. Mais tarde fomos visitar também um artista da nossa cidade, que retratava as antigas sapatarias, chamado Flávio Scholles. Então fizemos uma comparação de como era antigamente e como é atualmente. Mas enfim, foi uma reação em cadeia, eu não planejei exatamente isto. E isto quem faz é a experiência. O meu conselho para vocês: façam, planejam, vão seguros para aula, mas tenham um planejamento flexível.


Além dessa visita à fábrica, você faz outras atividades fora da sala?

VMR: Sim, a gente fazia muitas visitas. Saíamos pelo menos duas vezes ao ano de Dois Irmãos e vínhamos para Porto Alegre. Visitávamos o MARGS – sempre víamos o MARGS, mas também a Casa de Cultura Mário Quintana, alguma exposição no Memorial, também os trazia na Bienal – pesquisávamos, fazíamos trabalhos, às vezes releituras. As técnicas eram variadas. Apresentava uma delas, fazia o gancho com o assunto que estávamos trabalhando e fazia a proposta também.


Como podemos ensinar técnica para o aluno e ao mesmo tempo dar liberdade na criação?

VMR: E eu acho que a gente tem que ensinar o aluno, oferecer material, explicar. Por exemplo, se for usar tinta, explicar como usá-la, e depois deu: ele vai criar do jeito dele e vai desenvolver o trabalho do jeito que ele quiser.


Criança tem tendência a dispersar-se com facilidade. Como você faz para que eles participem da aula?

VMR: Olha, é preciso ter interesse e saber propor a atividade. Claro que às vezes tem um que quer fazer em 5 minutos e não quer mais nada. Mas o professor é preciso ser um pouco autoritário. Quando eu entrei, os alunos tinham a idéia de que a aula de Artes era “bagunça”, era sinônimo de fazer nada. Eu nunca deixei eles ficarem sem fazer algo: alguma coisa eles precisam fazer; se não trazem o material, usem o que têm. Se só têm lápis de cor e a técnica é pintura, vão usar o que têm para executar aquela atividade. Vocês mesmos já podem pensar nas experiências que vocês tiveram como alunos, como foi o professor de Artes de vocês. Propor o desenho livre é pior pro aluno. Direcionar a atividade e mostrar os materiais a serem usados, contribui muito no êxito da execução, evitando assim maiores dispersões.


Antigamente o ensino das artes era baseado na técnica, e a avaliação era feita visando se o aluno aprendia estas técnicas, se tinha precisão e coordenação motora e havia uma grande valorização do produto. Mais tarde o ensino das artes se tornou livre expressão e a avaliação era baseada na valorização do processo, era o famoso “deixa-fazer”, o desenho livre. Como você avalia os alunos e suas criações?

VMR: A minha avaliação tinha determinados itens: participação, interesse, entrega dos trabalhos na data, utilização do material adequado. Nunca avaliei por ser “bonito” ou “feio”. Essas coisas eu considero muito pessoais. Beleza não dá pra medir. Acho que não deve aplicar prova, nem julgar. O que posso julgar é o interesse do aluno enquanto fez aquele trabalho, se ele realmente concluiu, mas não vou discutir “melhor” ou “pior”. Podemos tratar de “bom” ou ”ruim” em termos de utilização do material, resultado que se obteve, se mostrou interesse, participou, fez, entregou. Então nota 10, por que não vou dar? Dificilmente um aluno meu reprovava, mas eu tive alunos que reprovaram porque não fizeram nada, aí não tem como. Eles pensavam “Artes não tem como rodar...”. Mas tem sim, se reprova em Artes.


A tendência é ver o ensino de artes com maus olhos, que é “matação”, oportunidade para fazer nada...

VMR: Na minha opinião, “matação” quem faz é o próprio professor. Educação Artística tem que ser levada a sério, é uma disciplina como qualquer outra, tem conteúdos e tem que ser respeitada, o próprio professor tem que respeitá-la, tem que ter vontade de dar aula. E isso independe se ele é professor de Artes, de Geografia ou de Matemática: se for uma aula mal dada, se torna totalmente desinteressante, uma “matação”.


Como foi a sua experiência com o ensino em escolas públicas?


VMR: Eu tive uma experiência frustrante em Porto Alegre. Eu trabalhei em Dois Irmãos e em Porto Alegre. É maravilhoso trabalhar no interior, comparado a trabalhar aqui. Trabalhei no Inácio Montanha, ali na João Pessoa e no Paula Soares – onde trabalhei à noite e sinceramente não gostei. Não tinha material, 90% dos alunos não estava “nem aí” mesmo, pode até tirar ponto que eles não ligavam. Já o aluno menor até tentava trazer o material. Hoje eu não sei como está, mas não tinham nenhuma condição. Depois fui para uma escola do interior onde a comunidade escolar é mais participativa, noto que a preocupação é diferente comparada a uma escola de Porto Alegre. O Estado dá muito pouco. A escola é boa quando a comunidade se junta e cuida dela. Eu sempre gostei de ser professora, não me arrependo de nada. Educar sempre me deu satisfação, prazer, adorei trabalhar com criança.


O que você faz para manter-se informada em relação a arte e educação?

VMR: Durante meus 30 anos de trabalho participei de inúmeros cursos, oficinas, seminários e eventos relacionados a Arte e a educação. Também freqüento e participo de exposições, e grupos no atelier livre de Porto Alegre.


E durante esses 30 anos de trabalho, muito alunos teus já se formaram, constituem família. Dentre eles, tem algum que se destacou, seguindo profissionalmente na área das artes?

VMR: Sempre tinham alunos que se destacavam. Mas existiam dificuldades, alguns eram pobres e gostariam muito de terminar o 2o grau e fazer um curso de Ensino Superior ligado às artes, mas não tinham condições. Uma aluna fez artes visuais na FEEVALE, alguns foram para a área da música. Eu também trabalhava um pouco de música com os meus alunos - não ensinava a tocar instrumentos, mas fazia um bom trabalho de educação musical: mostrava a eles as diferenças da música popular e erudita, levava a concertos, criávamos instrumentos musicais a partir de sucatas...


Você acha possível utilizar a arte contemporânea para a educação?

VMR: Claro, acho que todas as formas de arte e as diferentes maneiras de expressão devem ser analisadas. Podem ser motivo para observação, analise, debate e a partir disso serem propostas atividades para os alunos. Pela minha experiência, o aluno normalmente rejeita a arte contemporânea num primeiro momento, porém, quando ele entende a obra e consegue ver sentido nela, ele acaba aceitando, mas não gostando. Muitas vezes, a partir de visitas a Bienais, por exemplo, o aluno depois de analisar a obra, consegue se inspirar e produzir coisas interessantes.


Atualmente você está se aposentando. Tem alguma atividade que continua participando no campo artístico?

VMR: Logo que eu me formei, eu comprei um forno de cerâmica e trabalhei por um longo tempo. Parei por 20 anos e agora voltei a fazer peças de cerâmica. Participo de grupos e de exposições.


E na área da educação, continua dando aulas?

VMR: Eu agora tenho 5 alunos deficientes da APAE e é muito divertido, porque eles não vêem maldade em nada, tudo o que tu propõe é maravilhoso, eles acham tudo muito divertido, engraçado. Então não se tem preocupação com o resultado, porque eles são completamente livres. Já trabalhei com eles com tinta, giz de cera, colagem, texturas. Eles criaram pequenos painéis com detalhes expressivos, trabalharam com argila também. Levei eles em uma exposição e um deles disse: “- Eu vou chegar lá (na APAE) e vou desenhar isso daqui, preciso desenhar o que eu vi....”. Este aluno tem 54 anos. São adultos, mas pensam e agem como crianças, é impressionante e gratificante trabalhar com eles.


Além de ensinar, todo professor também aprende ensinando. Em todos estes anos de experiência, o que você aprendeu como os seus alunos?

VMR: Eu aprendi que se damos abertura e espaço para cada aluno desenvolver o que deseja, tudo acontece numa boa. Se temos segurança, organização, se fazemos com que o aluno se sinta tranqüilo - e isso desde pequenos, até à adolescência – sentindo-se bem consigo mesmos, eles vão fazer o que tu propuser. Logo que eu me formei, eu abri uma Escolinha de Artes, eu adorava trabalhar lá. O único objetivo era criar, criar e criar. Não tinha uma preocupação com avaliação ou resultados. E assim é maravilhoso trabalhar.



Avaliação Final


A partir da entrevista, pudemos concluir que ensino de formação de professores de arte-educação está mudando, assim como a arte também. Antes o curso chamado Belas Artes era mais acadêmico e hoje com o curso chamado agora de Artes Visuais, os professores e os alunos estão mais perdidos, talvez porque o currículo é novo e estamos ainda nos adaptando.
O professor de arte-educação, assim como qualquer professor, deve gostar do faz, ter paixão, assim tudo flui, este trabalho se torna algo prazeroso, e muito gratificante.
É importante para o professor planejar a aula, mas estar atento para os assuntos que surgirem na turma, dando liberdade de criação para o aluno. Além disso, deve-se saber avaliar os alunos sem distinção de talento ou habilidade, e sim pelo esforço em concluir a tarefa com os materiais propostos, sua participação e aprendizagens.
Essa profissão pode ser um trabalho árduo, mas realizador. Isso depende não só da maneira como o professor propõe as aulas e do incentivo que dá aos alunos, mas também das condições do local de trabalho e do apoio da comunidade.
É preciso fazer relação das atividades práticas de arte com o meio em que rodeia os alunos e com a história da arte, levando a turma a freqüentar museus, a fim de formar indivíduos mais capacitados para a apreciação e compreensão de objetos artísticos, ajudando os alunos a serem mais sensíveis a esta linguagem, serem mais criativos e com a visão mais ampliada sobre o mundo.
O professor de arte-educação é preciso estar atento para o que está acontecendo no campo artístico, e sempre se atualizar, freqüentando exposições, buscando cursos, oficinas, seminários, eventos ligados a arte e educação, e ler também é muito importante.

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