terça-feira, 8 de julho de 2008

ENTREVISTA 6 - Flávio Ilha

Entrevista realizada por : Camila Gottems, Camila Borba, Taís Dias e Karine Viel

Flávio Ilha formou-se em Jornalismo na FABICO na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1985. Trabalha há mais de 20 anos como jornalista, atuando durante a maior parte de sua carreira na área da economia. Como editor, começou na Aplauso em 2005, sendo esta a sua primeira experiência com o jornalismo cultural.

SOBRE A REVISTA APAUSO:
A revista circula somente no Rio Grande do Sul e tem a tiragem de 12.000 exemplares. É veiculada mensalmente, possuindo em média 50 páginas, onde todos os segmentos da arte - artes visuais, cênicas e musicais – são o foco principal. Mantêm-se por meio da Lei de incentivo à cultura e através de seus assinantes. Foi criada em 1998, e desde então conquistou diversos prêmios, como o Troféu Açorianos de Literatura nos anos de 1999, 2004, 2005, 2006 e 2007, o troféu Amigo do Livro 2002, o Prêmio Rodrigo Mello Franco 2003 e o Prêmio O Sul – Nacional e os Livros 2004. Em 2005 e 2007, a APLAUSO conquistou troféus no Prêmio ARI de Reportagem Cultural




COMO É SER UM EDITOR DE UMA REVISTA CULTURAL EM PORTO ALEGRE? QUAL A IMPORTÂNCIA?

Flávio Ilha: Bom, a Aplauso é uma revista única que está praticamente sozinha no mercado. Não sozinha no mercado de jornalismo cultural, mas no mercado de revista cultural, que é uma publicação um pouco diferente do jornal diário, tem uma cobertura diferente, uma edição por mês, então as matérias são trabalhadas com um pouco mais de tempo. Então ser o editor de uma revista, por ser a única de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul e uma das únicas do Brasil, é importante no sentido em que é um mercado restrito, tem poucas publicações nesse perfil, não só no RS, mas no Brasil inteiro. É uma responsabilidade maior, todo mundo está de olho em ti, porque as pessoas que gostam, que trabalham com cultura, têm como referências poucas publicações. A responsabilidade é muito maior, claro. É muito mais difícil fazer, tem que ter cuidado no que faz, ter mais atenção e ser mais criterioso do que se tivesse uma proliferação de revistas, publicações e tal. Ou seja, os eventuais erros que acontecem, quando acontecem tem muito mais visibilidade do que se tivesse uma proliferação desse tipo de publicação no mercado, por isso tem que ter muito mais cuidado.


QUAL A MAIOR DIFICULDADE DE SER UM EDITOR?

F: A maior dificuldade de ser editor é tomar decisões. O que entra o que não entra, o que vira matéria o que não vira matéria. Essa é a tarefa mais delicada, a tarefa mais difícil. Porque na medida em que a APLAUSO é uma das poucas revistas, uma publicação por mês, 12 por ano, e um volume de material muito grande pra ser divulgado e eu não tenho condições pra publicar tudo isso, então eu tenho que escolher decidir o que sai o que não sai o que eu deixo pra traz e o que eu publico então essa é uma decisão muito difícil. Nem sempre a gente consegue ser justo, pois tem muito volume de informação pra poucas páginas e alguém vai sempre sair prejudicado, o que é uma pena. Sou eu que tomo essa decisão.


QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS ADOTADOS POR UM EDITOR PARA OPTAR PELAS MATÉRIAS A SEREM PUBLICADAS?

F: Os critérios são os critérios do jornalismo de maneira geral. Critérios de interesse público, relevância, interesse pro leitor, uma pauta que provoque interesse num maior número de leitores. Então, adoto os critérios do jornalismo de maneira geral. Eu não decido por critérios pessoais, decido por critérios técnicos. Relevância, importância da obra, importância do artista, interesse do público leitor, qualidade do trabalho, são esses os critérios universais que o editor adota.


ENTÃO VOCÊ ACHA QUE COMO EDITOR VOCÊ DEVE SER IMPARCIAL?

F: É, esse é um tema controverso do jornalismo. Imparcialidade é uma meta. Mas nem sempre se é imparcial. Subjetivamente a gente às vezes pode não estar sendo imparcial. Uma coisa importante nesse meio de campo aí é o gosto. O editor tem gosto também, né. Ele é um cidadão formado, uma pessoa que adquiriu ao longo da sua vida gostos, preferências. É claro que isso objetivamente não vai fazer parte do trabalho, mas subjetivamente pode fazer. Eu posso estar usando um critério objetivo pra excluir alguém da pauta, mas ao mesmo tempo posso estar excluindo por critérios subjetivos, inconscientemente. Por isso que eu digo que é difícil tomar esse tipo de decisão. Até que ponto eu não estou usando critérios subjetivos, pessoais nessa decisão e me justificando com critérios objetivos? È delicado é complicado. A imparcialidade é uma meta, mas nem sempre a gente consegue. Eu acho que em muitas situações há uma mistura das duas coisas, critérios objetivos e critérios subjetivos. Na verdade isso é uma característica de todas as publicações. Todas as publicações acabam tendo, assim, a cara do seu editor, das pessoas que editam aquela publicação, e não seria justo que fosse diferente. Muito do gosto pessoal aparece na revista, tem que aparecer, isso é meio que natural. O desafio é equilibrar essas duas coisas. A imparcialidade, a objetividade é uma meta, mas não obsessivamente. Não pode se tornar uma obsessão, ter que ser imparcial a qualquer preço, não é isso. Imparcial à medida do possível. Equilibrar é mais importante que ser imparcial.


ALÉM DE SER EDITOR, VOCÊ TAMBÉM FAZ ENTREVISTAS. TEVE ALGUMA QUE FOI MAIS DIFÍCIL?

F: Faço entrevistas também, menos do que os repórteres, mas eventualmente faço.
Todas são difíceis, nenhuma delas é fácil, não tem matéria fácil. Porque é um campo difícil, formado por pessoas que geralmente trabalham com criação. São pessoas que tem uma característica pessoal diferente, pessoas que geralmente são vaidosas, pessoas que valorizam sua individualidade, não é muito fácil. E depois na recepção da matéria, também é complicado. Às vezes quando tu diz alguma coisa que te pareceu justo a pessoa não gosta. Então é um campo bem complicado. Mas eu diria que eu não acho que seja uma característica primordial do jornalismo cultural, eu acho que não tem matéria fácil nunca. A comunicação é um processo difícil, a pessoa te diz uma coisa, tu pode entender de uma outra forma. Depois tem o filtro de expressar isso através do texto. Então o jornalismo é uma atividade muito difícil de lidar com ela. Pode parecer muito fácil, porque as pessoas pegam o jornal pronto, e lêem o que está escrito então pensam: “ah, bom isso é simples fazer”. Não é muito simples não, geralmente é muito difícil fazer. Difícil não em grau de dificuldade, mas trabalhoso. Você tem que ter muito cuidado. Primeiro o entrevistado tem que ter muito cuidado com o que diz, o entrevistador tem que ter muito cuidado na hora de ouvir, muito cuidado na hora de escrever, na hora de editar. Não tem matéria fácil, nem no futebol de domingo é fácil, todas as matérias são difíceis.


COMO ESTÁ ATUALMENTE A SITUAÇÃO DO MERCADO PARA UM EDITOR DE REVISTA DE ARTE?

F: No campo da arte, no campo da cultura aqui em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul é fraco. Não tem muita oportunidade. Em nível nacional talvez melhore um pouco em São Paulo, pode ter algumas oportunidades, mas não vejo um mercado muito acessível não. Pode ser que o mercado tenha perspectivas boas em médio prazo, em curto eu não estou vendo nenhum resultado até agora.

POR QUE VOCÊ DECIDIU SER EDITOR?

F: Isso a gente não decide. Não se decide ser editor. Eu fui convidado pra ser editor, e aceitei obviamente. Mas é uma coisa que a gente não decide o mercado que nos leva lá. É uma hierarquia natural da profissão, você começa como estagiário, depois consegue vaga na reportagem, depois passa a ser repórter especial, depois passa a fazer textos melhores, daí começa a editar tuas próprias matérias. Então é uma hierarquia normal da profissão. Eu tenho 23 anos de profissão, então chegou um ponto que eu estava pronto pra editar, assumir outras tarefas. Então a oportunidade surgiu e eu fui ser editor, naturalmente. Não teve nenhuma quebra, passei por todas essas etapas. É um caminho natural. A profissão não é assim: “eu vou fazer jornalismo para ser editor”. Não é assim, o editor continua sendo repórter. Não é uma escolha. A escolha é o que o mercado encaminha pra ser.

QUAL O CONSELHO QUE VOCÊ DARIA PRA QUEM QUER SEGUIR ESSA CARREIRA?

F: Estude muito. Se especialize muito. Só com especialização a gente consegue alguma coisa no jornalismo. Sem especialização você não consegue nada. Faça muito bem o que tu resolveres fazer. Eu daria como conselho assim: se especialize e seja muito bom no que faz, estude muito o que faz para que possa ser respeitado, para que possa fazer coisas bem feitas. Um jornalista que sabe um pouco de tudo tem muita diferença do jornalista que sabe muito de algumas coisas, é bem diferente. Hoje o mercado não valoriza mais tanto aquele generalista que sabe um pouquinho de monte de coisa, esse profissional não é mais tão importante quanto era há 20 anos atrás. Claro, o mais importante é aquele que sabe muito sobre muita coisa, esse é o melhor deles. Mas saber muito sobre algumas coisas é mais importante do que saber pouco sobre muitas coisas.

EM SUA OPINIÃO COMO DEVE SER UM BOM EDITOR?

F: Para ser um bom editor tem que ter duas coisas: noção de reportagem - tem que ter passado pela reportagem- e, por outro lado a noção de texto também - como expressar, como transformar aquilo num produto, no caso aqui num produto cultural. Ter uma noção muito precisa muito clara de texto. Saber transformar a questão de comunicação em texto. Às vezes o repórter sabe o que ouviu, mas não sabe dizer o que ouviu expressar o que ouviu no texto. Tem que combinar essas duas coisas: um grande faro de repórter ou uma sensibilidade pra informação e sensibilidade de texto. Ou seja, tem que combinar as duas características principais do jornalismo. Claro que tem que também saber se relacionar, conhecer o mercado, conhecer as fontes, ter acesso às fontes para selecionar problemas, esse é o básico. O principal é dominar o campo da reportagem.




DE UMA FORMA GERAL, VOCÊ ACHA QUE FALTA INCENTIVO DA MÍDIA À ARTE HOJE EM DIA?

F: Acho que sim. Acho que a mídia não se interessa muito sobre isso ainda, as empresas não se interessam muito por isso ainda. Na verdade acho que isso já devia ter mudado. A arte ainda é muito vista como entretenimento, uma coisa secundária. “Não tem nada pra fazer no final de semana, então vai lá ver uma “exposiçãozinha”“. É isso também, mas é mais do que isso. Também tem trabalho, tem valor agregado, tem muitas coisas que transcendem o entretenimento, e eu acho que a mídia não se deu plenamente conta disso. Ainda não valoriza suficientemente, até como valor agregado mesmo, como geração de renda, geração de cérebro, de cabeça, de inteligência, não valoriza muito isso. Falta sensibilidade, não só das empresas de mídia, mas das empresas que patrocinam. Preferem patrocinar um evento esportivo, por que tem mais público, Preferem patrocinar um campeonato de hipismo a um festival de teatro, porque sai na Caras, tem mais publico. Acho que falta apoio sim.

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