segunda-feira, 23 de junho de 2008

ENTREVISTA 1 - Professora Dr. Paula Viviane Ramos

Entrevista com historiadora de arte, realizado para a disciplina de Fundamentos da Arte I; por Leonardo Leal Loureiro de Lima, Sônia Maria Antônia Holdorf Braun e Vânia Riger.


Nome da entrevistada: Professora Dr. Paula Viviane Ramos.

Formação: Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo – UFRGS (1995); Mestrado (2002) e Doutorado (2007) em Artes Visuais, ênfase em História, Teoria e Crítica de Arte – com sanduíche (2005) junto à Universidade de Kassel – Alemanha.

Atividade profissional: Atuais: Professora Substituta no IA da UFRGS (2008); Professora Adjunta na UNIRITTER (2003); Professora de História da Arte na FEEVALE (2002).
Anteriores: Colaboradora do MARGS (2002-2003) – Diretora da AAMARGS; Editora da Revista Aplauso (1998-2002); Diretora o sítio virtual da Fundação Iberê Camargo (2001-2002); Editora e Diretora de programa televisivo da RBS (1996-2000); Editora Chefe da Fundação Piratini Rádio e Televisão TVE (1997); Editora da Rádio e TV Portovisão - Bandeirantes (1998-2002).


1 – O que a levou a se interessar pela arte?

Bom, quando eu fazia jornalismo, fui uma aluna que aproveitei muito a estrutura da UFRGS, pois fiz muitas disciplinas como cadeiras complementares no curso dois e sempre gostei muito de arte. Meu primeiro contato com arte foi em 1992, quando vim pra Porto Alegre e havia uma exposição do Iberê Camargo na Usina do Gasômetro. Aquela exposição me deixou profundamente maravilhada, fiquei completamente extasiada, emocionada. Sempre gostei muito de artes visuais, muito de música, estudei piano, mas nunca pintei, nunca desenhei, nunca fiz nada disso. Aí comecei a fazer disciplinas aqui de História da Arte, História 1, História 2, História 3, e se não me engano, sobre crítica de arte, sempre gostei muito. Sou formada em comunicação social e comecei a trabalhar como jornalista. Trabalhei muito tempo como jornalista: cinco anos na RBS TV, três ou dois anos, se não estou enganada, na Rádio TV Bandeirantes e surgiu uma oportunidade em 1998 de participar de uma revista que estava surgindo, uma revista de cultura chamada “Aplauso”. Surgiu a oportunidade de trabalhar nessa revista, eu era ainda bem nova, estava louca pra fazer alguma coisa em artes visuais e comecei a trabalhar como repórter especial. No meio do caminho comecei a gostar e acabei assumindo a parte de artes visuais, o que aconteceu foi que percebi que precisava estudar mais. Então, fiz um projeto de mestrado aqui na pós-graduação do IA, no qual uni as duas áreas que eu sempre gostei muito: a área de comunicação e a área de artes visuais. No início, um projeto sobre os artistas ilustradores da antiga Editora Globo. Eu analisava imaginários de modernidades das capas das revistas durante seus primeiros dez anos. Então eu fiz esse projeto, foi maravilhoso, eu sempre digo, que pra mim, as duas coisas mais importantes na minha trajetória profissional foram: em primeiro, os artistas da Globo, e em segundo, o mestrado. Daí um mundo novo se abriu pra mim. Eu vi que o que eu gostava mesmo era artes visuais. Eu trabalhava como crítica de arte na revista Aplauso sem ser crítica de arte, porque eu não poderia assumir um papel de crítica, eu era uma repórter que escrevia matérias sobre artes visuais. Eu nunca considerei aquilo como crítica, mas acabei me aproximando da crítica de arte por meio desse trabalho. Terminei o mestrado e pouco tempo depois saí da revista Aplauso. Terminei o mestrado em setembro de 2002, a defesa foi no dia treze, e em outubro entrei com o projeto de doutorado, que era uma continuação da minha pesquisa de mestrado. Aí eu analisei as ilustrações dos livros da Editora Globo, feitos pelos artistas plásticos que trabalhavam como ilustradores: João Fahrion, Nelson Boeira Fräedrich, Edgar Koetz, e continuei unindo essa atuação em história da arte, em crítica de arte e jornalismo especializado.

2 – No Rio Grande do Sul, quem poderíamos citar como expoentes da arte contemporânea nos últimos cinco anos?

Muito difícil essa tua pergunta! Bom, quem poderia citar como expoente da arte contemporânea? É muito difícil, porque temos muitos artistas que têm uma trajetória desde os anos sessenta, setenta, que continuam sendo artistas maravilhosos, que estão produzindo altíssima arte contemporânea. Vera Chaves Barcellos, por exemplo. No quesito novos artistas é muito difícil também. Por exemplo, Félix Bressan é um artista considerado hoje, e que foi há um tempinho atrás da nova geração, um cara com tanta experiência que... olha é uma pergunta muito difícil. Mas eu diria que hoje, talvez pela atuação muito forte dos últimos anos, que tem feito muita coisa importante, muita coisa boa, instigante, e que tem colocado o Rio Grande do Sul num panorama internacional da arte; embora não seja gaúcho, ele é catarinense, mas mora aqui e se considera gaúcho, é o Valmor Corrêa. É um artista que tem quarenta anos aproximadamente, um artista que nos últimos cinco ou seis anos, tem começado à colher os frutos do seu trabalho. Então é um artista da nova geração, embora, digamos assim, não é uma cara de vinte anos, mas isso não quer dizer nada.

3 – Diante de um mundo globalizado, com tanta mídia e tecnologia, como fazer história da arte hoje?

Bom, primeiro eu acho importante ver o que faz o historiador da arte. Um historiador da arte documenta, analisa, levanta material e propõe novas abordagens sobre aquilo que já existe. Se o historiador da arte ficar repetindo o que já existe, o que já está consagrado, ele vai ser um mero reprodutor. E eu acredito que o papel do historiador tem que ser de um pesquisador. Se ele não for um pesquisador, sinceramente, eu acho que seu trabalho fica muito questionável. Felizmente, aqui no Rio Grande do Sul, nos últimos anos, desde o surgimento do programa de pós-graduação em Artes Visuais, nós temos tido uma ênfase na formação, temos duas linhas de pesquisa: poéticas visuais e a história, teoria e crítica da arte para quem vai trabalhar com essas três áreas. Então esse pessoal da história, teoria e crítica têm saído daqui, geralmente, com uma visão de pesquisar, de reescrever, de buscar uma nova história da arte. E um exemplo que faço questão de comentar é o livro organizado pelo professor Paulo Gomes, que foi da graduação, mestrado, doutorado, mas na área de poéticas visuais, embora ele tenha uma atuação na área de história da arte, crítica de arte e como curador. O livro ganhou o prêmio Açorianos de melhor publicação, que é aquele livro Artes Plásticas no Rio Grande do Sul, uma Panorâmica. Esse livro reúne trabalhos, artigos de pesquisadores, inclusive quase todos saídos daqui do Instituto, que discutem história da arte no Rio Grande do Sul. Então, eu, por exemplo, tenho uma atuação como historiadora da arte quando vou lá e proponho uma revisão de certas “verdades” da história da arte; ao apresentar a minha tese, quando vou lá e consigo defender isso. A modernidade visual no Rio Grande do Sul não veio pela pintura. Vou lá, eu vou pesquisar, eu vou precisar de documentos de compras de obras, documentos de feitura de obras, esboços, capas, diários. O historiador é uma pessoa que vive revirando coisas. Fica meses dentro de um museu procurando coisas, eu fiquei meses dentro do museu Hipólito. Fiquei um tempão revirando coisas nas casas das pessoas pra tentar achar algo que me ajudasse a entender esse momento que estava estudando. O historiador da arte, mesmo que fale da arte dos anos noventa, agora né, ele também vai ter que fazer esse processo, revirar, ver materiais que ajudem ele, e sempre esse conceito de que ele vai ter que buscar esse material e articular. O historiador da arte, no meu entender, é um pesquisador; se ele não puder pesquisar, se ele não puder agregar, ele vai ser um mero reprodutor.

4 – O que é fazer história da arte em Porto Alegre?

Eu acho que, por exemplo, é isso: a figura do historiador está eminentemente, totalmente ligada à figura do pesquisador. Agora, por exemplo, um crítico de arte – eu tenho uma atuação como crítica de arte – também é obrigatoriamente um historiador da arte. Porque não é possível fazer crítica de arte sem ter um lado da história da arte, senão fica aquela coisa solta no tempo e no espaço. Aí fica uma crítica de arte vazia, meramente com elogios. Por isto a figura do crítico de arte se confunde com o teórico, que é aquele que propõe questões e que se confunde com a figura do historiador. O historiador, digamos assim, está na base da figura do crítico e da figura do teórico. Um crítico só consegue ser um bom crítico se ele tiver contato com a história, e a mesma coisa vale para o teórico da arte. Não tem como separar. Quanto ao fazer história da arte em Porto Alegre, eu acho que nós temos um comprometimento com a história da arte do Rio Grande do Sul, uma história que precisa ser revista, que precisa ser estudada, pois poucas pessoas olharam para ela. Daí a importância desse livro do Paulo, ele foi lá, convidou oito pessoas pra escrever, cada um deles um tema, cada um fazendo um capítulo da história da arte, uma coisa importantíssima, no meu ponto de vista.

5 – Como você vê a produção atual de arte contemporânea na cidade de Porto Alegre?

Maravilhosa! Eu acho que tem artistas aqui muito bons, excelentes. Porto Alegre tem uma tradição de artistas muito bons, alguns dos principais foram formados aqui dentro. Entretanto, nós temos um problema muito sério no que tange ao sistema de arte em Porto Alegre, quer dizer, as instituições. Nós não temos museus, nosso Museu de Arte Contemporânea está sem atuação, então fica mais difícil. Temos alguns eventos importantes que acontecem, Bienal do Mercosul, etc., mas que têm uma atuação muitas vezes só num determinado período. Então o que acontece é que temos produção, temos artistas produzindo coisas muito interessantes, temos massa crítica, temos historiadores, críticos justificando, comentando, dialogando, refletindo sobre essa coleção. Por outro lado, temos um sistema carente, pois nós temos pouquíssimas galerias de arte, sobretudo de arte contemporânea. Museus praticamente só com uma atuação que não é voltada ao contemporâneo, quer dizer, é muito desestimulante isso, sem dúvida nenhuma. Então o que acontece é que o artista que tem uma produção bacana e quer viver de arte, vai ter que fazer o que muitos fazem: ir pro Rio ou São Paulo. Ir para onde existe um sistema de arte mais fortalecido com galerias, com estruturas e compradores. Quem é que compra arte contemporânea aqui? Então é difícil, né? Quem quer viver de arte, produzindo arte, é muito difícil, tem que se dar conta de onde é que se está, onde se está andando, tomar consciência de que o sistema é esse, de que é essa a estrutura, e daí vem a importância da disciplina de Fundamentos da Arte, que vê e discute também isso. É preciso entender onde é que se está, e a partir desse entendimento é preciso se posicionar, podendo assumir várias posições. Uma pessoa que tem uma posição contemporânea séria, que quer se inserir num circuito de Bienais, de mostras importantes do circuito, legitimado pelo sistema, legitimado pelos críticos, etc. vai ter que trilhar um caminho mais complexo.

6 – O que você pensa a respeito da arte contemporânea?

Eu amo arte contemporânea! Não, primeiro eu amo a arte! O que eu penso da arte contemporânea, o que ela é pra mim, o que ela tem que fazer? Como toda a arte, ela tem que ser uma espécie de reflexão sobre aquilo que nós vivenciamos, que nós vivemos, os dilemas, as angústias, e eu acho que muita gente tem medo da arte contemporânea; parece que ela morde, que ninguém entende. Eu compreendo, porque na verdade se a gente observar é o seguinte: esse estranhamento que o público tem nasce lá nas vanguardas, quer dizer, o público deixa de parar na frente de uma obra e ler a historinha que está ali. Durante muito tempo se exigia do expectador que ele lesse uma historinha, que ele olhasse para obra e dissesse: “Nossa, tá acontecendo isso, isso e aquilo”. Daí, inclusive, aquela expressão: leitura de imagens. Desde a arte moderna, do surgimento das vanguardas, tu tens um público cada vez mais distante, porque a arte começa se calcar em discursos e reflexões próprias do campo e não mais fora dela. Por isso que eu estou dizendo, a arte é calcada em literatura, a representação de uma lenda, a representação de uma história, não era em questões dela. E quando a arte começa a se voltar pra ela, começa a haver um distanciamento. Hoje a arte contemporânea, devido aos diferentes materiais que ela utiliza, apesar de ter muita coisa de arte contemporânea que tu pendura na parede, tem muita coisa ainda, mas isso está cada vez menos, tem muitas coisas que são projeções, são trabalhos híbridos, mestiços, que não são feitos para o museu, aquele tradicional, então isso assusta as pessoas. Existem também muitos trabalhos descartáveis, inclusive no sentido pejorativo, trabalhos que não valem nada, mas isso sempre existiu. Quem vai mesurar isso, quem vai dizer se é bom ou não, é o próprio sistema. Mesmo assim, acabam sendo legitimados, como alguns trabalhos que a gente vê nas Bienais e museus, que são porcarias. Isso acontece e acabam sendo legitimados, mas não quer dizer que irão sobreviver. Eu acho que a arte contemporânea, com todas as manifestações, exige mais. Ela não trabalha com o expectador passivo que fica ali na frente, “ai que bonitinho”. Ela exige que se pense, que se articule, ela propõe questionamentos, perguntas o tempo inteiro, e é preciso estar disposto a dialogar. Essa coisa do expectador rápido, que gosta da velocidade do cinema, do videogame, da Internet e da televisão, esse expectador, evidentemente, vai ter dificuldade em dialogar, em entender, em gostar, inclusive, da arte contemporânea. Porque na arte contemporânea tu precisas “baixar a bola” pra entrar no ritmo do trabalho. E tem muita gente fazendo muita coisa muito boa, discutindo questões da morte, da vida, das relações, da ciência, conflitos diversos, memória, permanência. Esses trabalhos são tão bons porque eles discutem coisas que são, quer dizer, os caras usam uma linguagem plástica, uma linguagem visual melhor dizendo, porque nem tudo é plástico, pra discutir questões que são próprias do homem. Se a arte não falar coisas do homem, ela dificilmente vai nos tocar, e a gente tem que estar disposto a isso.



7 – A inauguração do Museu Iberê Camargo coloca Porto Alegre no circuito internacional das artes plásticas, quais os benefícios que trará ao cenário artístico em geral da cidade?

Bem, eu acho que duas coisas marcaram o cenário artístico de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Uma coisa é o surgimento e a permanência da Bienal do Mercosul em Porto Alegre. Isto é uma vitória, uma conquista para a formação de público e geração de novos artistas para a arte contemporânea. Imagina pessoas que se criaram vendo Bienal de Arte Contemporânea, imagina o olhar dessas pessoas. Eu acho que vai ser completamente diferente. Outra coisa é o Museu Iberê Camargo que insere em dois pontos: propor uma arquitetura que instiga o teu olhar, uma arquitetura completamente diferenciada, que dialoga com o rio Guaíba, que não é um caixotão de concreto e sim uma arquitetura que provoca, que tem todo um movimento de diálogo com a topografia. Acho que, arquitetonicamente falando, é uma honra para Porto Alegre ter uma obra do arquiteto português Álvaro Siza, que é um dos arquitetos mais importantes do cenário contemporâneo. Então, o museu em si, já é um luxo, um arraso. Em segundo, é a qualidade com que tudo o que é feito na fundação é pensado. Podem-se fazer algumas críticas, mas são poucas. Eles fazem coisas interessantíssimas como: seminários discutindo pintura, arte contemporânea, museologia, oferecem oportunidade de debates com gente que vem de fora para discutir arte. Tem uma equipe curatorial competente, respeitadíssima internacionalmente que vai trazer exposições sensacionais para Porto Alegre. O caráter do museu é estar voltado para a preservação da memória do Iberê Camargo, logo, sempre terá exposições do Iberê. Também vai ter exposições temporárias de outros artistas contemporâneos de altíssimo nível; artistas internacionais. Imagine a oportunidade de Porto Alegre, que tem um museu de arte contemporânea deficiente, que existe só no papel. Eu acho que Porto Alegre é o antes e o depois da Bienal do Mercosul, e o antes e o depois do Museu Iberê Camargo.

8 – Como você conceitua e observa as últimas Bienais do Mercosul ocorridas em Porto Alegre? Quais as contribuições que ela trouxe ao cenário artístico da cidade?

Como estava dizendo: formação de publico. Daí a ênfase da Bienal em projetos pedagógicos não estar equivocada, porque nós temos dificuldades com o público preparado para arte contemporânea, então eu acho importantíssimo investir nisso. Depois temos a formação de profissionais para trabalhar na área. Na última Bienal, por exemplo, quase a totalidade da mão de obra de montagem de arquitetura, de iluminação, de produção, foi daqui de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul. Com elas cria-se a oportunidade de pessoal se formar e exercer o trabalho dele, porque são várias as atuações das pessoas formadas em artes visuais que podem trabalhar em exposições de arte contemporânea. Propor reflexões, trazer obras para cá, é uma maneira de aproximar o público que não tem condições de viajar para outros países e estar em contato com a obra contemporânea. Porque muitas obras aqui expostas já foram expostas em outros países, e é esse contato que vai fazendo com que o público eduque o seu olhar e a sua sensibilidade para a arte contemporânea.



9 – Em função de não ter tido nenhum artista plástico gaúcho selecionado para participar da última Bienal do Mercosul, foram realizadas mostras paralelas como a “Bienal B” e “Esta POA é Boa”. Qual foi seu olhar perante estas manifestações artísticas; e qual poderá ser a contribuição que estas mostras podem dar às futuras Bienais?

Eu acho que a Essa POA é Boa e a Bienal B mostraram, isso é o mais importante, que a classe artística de Porto Alegre pode se unir, pode se organizar e é organizada quando quer. Eu tenho pavor dessa choradeira, “ai não tem nenhum artista gaúcho”, acho tão bobo, tão pobre, tão ridículo, a palavra é esta, ridículo. Porque existe curadoria, se o curador acha que não tem artista que esteja discutindo a questão que ele está propondo, embora a última curadoria seja um pouco complexa, ao meu ver, não tinha um tema, era uma coisa aberta, o curador tem uma proposta curatorial e ele vai convidar os artistas que tem a ver com a proposta dele. Então não tem porque haver em toda Bienal do Mercosul artista gaúcho, isto é bairrismo, é uma coisa muito boba as pessoas ficarem reclamando disto. Eu achei sensacional eles terem a ousadia, a iniciativa de fazerem tanto a Bienal B, como Essa POA é Boa. Os artistas se uniram, eles se articularam. Em termos qualitativos tinha muita coisa ruim, muito trabalho com má qualidade, os próprios organizadores admitem isso, tinha trabalhos que poderiam render mais. Mas eu acho que isso é um detalhe, o mais importante, sem dúvida, foi a capacidade de organização que eles demonstraram ter. Isso, também é um marco para a história da arte do Rio Grande do Sul.

10 – No universo das artes plásticas, a arte contemporânea tem utilizado em seus processos criativos as novas tecnologias, além de ocupar lugar destacado na mídia e nos salões de arte. Em comparação com a arte contemporânea, como você vê a arte convencional exposta nas galerias comerciais?

Eu acho o seguinte: todos os anos temos aqui no Rio grande do Sul, o IA-UFRGS, FEVALE, ULBRA, UNIIJUI, UFSM, UNIPAMPA , formando profissionais em artes visuais. Se tu pensares que todo ano cada instituição destas, forma mais ou menos 40 bacharéis em artes visuais, tu tens aí aproximadamente 200 profissionais em artes visuais no universo das artes. Todos vão ser artistas? Não. A pessoa pode ser pintor, escultor, não quer dizer que seja artista. São coisas completamente diferentes. Então, há pintores, há escultores, que optam em viver do que eles fazem; muitas vezes não sendo reconhecidos pelo sistema das artes; pode não estar em uma galeria de arte. Exemplo, o Brique da Redenção é uma feira de artesão. A pessoa tem que saber o que ela quer. Queres trilhar um caminho para participar de exposições em museus, salões de arte, ter um reconhecimento institucional, o trabalho dela vai ter que discutir questões contemporâneas. O cara não pode pintar uma paisagem com laguinho e um coqueiro; pode ser muito bem pintada tecnicamente, mas não discute questões contemporâneas, nunca vai participar de uma exposição contemporânea. Existem em Porto Alegre, galerias que vendem artes mais tradicionais, pinturas que combinam com os sofás, puramente comerciais. Ainda bem que tem mercado para tudo. Tem gente que não compra quadro para ficar meditando sobre a vida. Essas pessoas que fazem pintura decorativa, dificilmente participarão do sistema das artes ou de uma Bienal. Aquilo que nos estudamos nas universidades como arte, não combina com o sofá, quer dizer, o discurso de arte é que arte é uma reflexão, que te provoca, que te intrigas, que não é uma coisa decorativa, é pensamento, é reflexão. É isso que a gente quer mostrar o tempo todo aos nossos estudantes de artes visuais das universidades.

11 – Como você vê a comercialização da arte contemporânea?

Eu diria o seguinte: são poucos os colecionadores de arte contemporânea no Brasil e no Rio Grande do Sul. Quem compraria arte contemporânea eu posso dizer que seriam instituições, museus, grandes empresas. Eu por exemplo, se tivesse uma casa grande, compraria instalações que tenho na minha memória. Tem muita gente que gosta e ama a arte contemporânea, e não compra porque não tem condições econômicas para fazer. Eu tenho uma pequena coleção, compro porque me dá prazer, me instiga. Eu compro em galerias, leilões, direto do artista, e quando compro do artista, geralmente faço troca. Por exemplo, eu escrevo um texto e ele me dá a obra, ou seja, o artista me pede um texto e aí a gente faz uma troca. Desta forma, adquiro uma obra de um artista que eu admiro. A gente tem que investir na formação de público para comprar obras de arte contemporânea. Tem muita coisa acessível, por exemplo, o museu Gaúcho do Trabalho possui um consórcio de gravura por R$52,00 mensais.

12 – Em função da arte contemporânea também estar ligada a aspectos sociais da sociedade e da vida. Qual sua opinião sobre o rumo que ela poderá tomar nos próximos anos?

É uma pergunta sem resposta, não tem como dizer. Eu acho o seguinte: a arte vai continuar existindo, é uma necessidade humana, os artistas são umas verdadeiras antenas da sociedade, eles realmente têm uma sensibilidade aflorada, que a maioria da população não tem. Eu amo a arte contemporânea, ela é instigante, maravilhosa. Acho que ela vai continuar se desenvolvendo, se aproximando das novas tecnologias, é um caminho absolutamente normal, não tem porque não usar novas tecnologias. Agora, lembrando o seguinte, que a tecnologia não é uma chave para o trabalho e sim uma ferramenta. Se o artista não tiver coisa para dizer irá fazer trabalhos vazios, que não tem conteúdo. Agora quando se tem sensibilidade, um processo desenvolvido, se tem uma maturidade no que se está fazendo, é possível fazer um trabalho em lápis, tinta, escultura ou com nova tecnologia que vai discutir coisas interessantes, que não é gratuito, vazio. A arte contemporânea como tudo na vida, vai continuar produzindo coisas muito boas e coisas deficientes, artistas muito bons, inteligentes e artistas deficientes, muitos pintores, escultores... Eu sempre faço essa diferença, existem pintores, desenhistas, escultores e dentre esses todos existem artistas. Nem todo pintor é artista, pintor é um pintor, aí ser artista é outra coisa. Para mim o artista é aquela pessoa que te provoca, te instiga, te emociona. Tem muita gente fazendo arte com novas tecnologias, discutindo questões de pintura, tem artistas que não usam tela, tinta, discutindo questões de pintura. Às vezes, tu tens vídeo em que o artista está discutindo pintura e não tem pintura no sentido tradicional. O importante é ter o olho educado e até atento para isto.