Entrevista realizada por : Carla Amaral Silveira , Maria Salete Melo Martins Pinto , Regina Helena Miranda , Valesca Florence Iserhardt
01. Em que consiste a atividade do curador? De que forma a formação acadêmica lhe auxilia nesta atividade?
No dicionário Aurélio a atividade de curador de arte é descrita como “responsável pela organização e manutenção de acervo de arte”, mas na prática a atividade de curadoria tem muitos desdobramentos que vão além da definição mencionada. No Brasil, muito recentemente há cursos relacionados à curadoria.
02. Ao conceber uma exposição, normalmente, o que vem primeiro: a escolha do assunto (do tema), a escolha do artista ou a escolha das obras que serão expostas?
Depende do foco principal. Se ele se refere a um tema específico, se ele está relacionado com a linguagem de um artista ou ainda se o foco é determinado pelas obras para uma exposição específica.
03. E quais são as etapas do trabalho do curador ao realizar uma exposição? A escolha das obras, de sua disposição no espaço, a elaboração do material gráfico (textos/discurso), bem como a negociação com a instituição ou o local onde será montada a exposição são feitas pelo curador? E contam com a participação dos artistas ou demais profissionais envolvidos na produção?
As etapas poderão variar: pode-se partir das obras que já estão determinadas, bem como de um local em uma instituição cuja filosofia de trabalho obedece a determinados princípios.
04. Com uma atividade criadora tão rica e tão intensa, quais os motivos que a levaram a exercer a atividade de curador? A curadoria lhe traz tanto prazer quanto o processo de criar?
Trabalho a quase 53 anos nas artes visuais, e eu e a equipe do meu estúdio absorvemos todas as etapas do fazer artístico desde a criação e realização das obras, a produção da mostra, incluindo a museografia, a montagem, a criação de convites, catálogo, cartaz, o mailing e a divulgação até a venda doas obras.
Aprendi tudo na “guerra”, usando conhecimento e intuição para alcançar os objetivos propostos. Me surpreende muito o desdobramento de profissionais que ocorre hoje: curador, montador, iluminador, museólogo, desing gráfico e marchand.
A mim a curadoria também me dá prazer, pois a encaro e o é uma atividade criativa.
05. Quais diferenças podem ser apontadas entre o trabalho do curador independente e o trabalho do curador vinculado a alguma instituição? Qual deles, na sua opinião, é mais interessante?
A curadoria vinculada a uma instituição pode oferecer mais vantagens econômicas, o que é muito bom, mas uma curadoria independente poderá ser mais desafiadora, muitas vezes, e justamente por falta de recursos econômicos.
06. No atual sistema das artes, o curador tem a liberdade de trabalhar somente na curadoria de exposições cujas obras ou artistas aprecia, ou o profissionalismo algumas vezes acaba se sobrepondo ao “gosto”?
Um profissional tem de resolver o assunto de curadoria com competência. Naturalmente que a empatia com a obra poderá tornar o trabalho mais prazeroso.
07. Ao montar uma exposição, como o curador pensa no público que deseja atingir? Qual a sua estratégia para que efetivamente haja uma aproximação entre obra e público?
Saber exatamente a que público se destina e apresentar a mostra de forma agradável, acessível, mas que tenha um forte embasamento didático, apresentando sutilmente.
08. Você concorda que o papel do curador vem adquirindo cada vez mais importância no sistema das artes? E por quê?
Concordo, mas tem de se ter cuidado, pois o “rótulo” de curador vê-se muito absurdo e há curadores ditatoriais, o que prejudica as artes também.
09. Hoje a figura do curador é necessária, ou mesmo imprescindível, para que um artista seja reconhecido e ingresse no sistema das artes?
Um artista talentoso e com uma obra consistente ingressará no sistema das artes sozinho ou pela mão de um curador. Os curadores não são deuses.
10. Quais diferenças podem ser apontadas entre a curadoria de exposições de obras de artistas iniciantes e de artistas com uma obra já sedimentada?
Penso que com o artista iniciante o curador tem de se aproximar com mais cuidado e dar espaço para que o jovem se expresse. No caso do artista com obra consolidada o curador tem de descobrir aspectos que não foram abordados anteriormente. Entretanto, nos dois casos a aproximação tem de ser de respeito e carinho.
11. Como foi feita a concepção da exposição “Travessa Venezianos: Construções do Tempo”? Como foi participar deste projeto junto a esses jovens artistas?
O trabalho foi feito da seguinte forma: escolha dos artistas e troca de e-mails entre eles e eu, para que o trabalho de cada um fosse conhecido pelos os outros. Sugeri que se fizesse uma instalação.
Como a escolha do tema foi a Travessa Venezianos, e foi necessário fazer uma pesquisa histórica sobre a vida e costumes dos antepassados dos moradores da travessa.
O grupo decidiu fazer uma obra na qual se identificasse o cunho pessoal dos seis artistas e eu recomendei que eles se expressassem com liberdade e ousadia.
Fizemos uma maquete para visualizar como ficaria o trabalho e depois a executamos, e na montagem fizemos os ajustes necessários
O trabalho ficou com um eixo central indicado pelas caixas impressas das fotos da Fernanda Chemale. Eixo cortado horizontalmente por outro eixo imaginário, a faixa de segurança do Leonardo Fanzelan.
O trabalho do Antônio Augusto Bueno dialoga com o trabalho da Lílian Maus, estabelecendo também um eixo como com a obra dos espelhos da Kátia Costa.
Para “fechar”, segurar a composição ficou decidido que o Gerson Reichert usaria toda a parede oposta a porta de entrada da sala da Chico Lisboa com desenho a carvão, infelizmente ele não usou toda a parede e a composição da instalação acabou sendo prejudicada.
12. O que há de positivo e de negativo em “fazer arte” em Porto Alegre e como você enxerga o futuro das artes nesta cidade?
Atualmente Porto Alegre é uma cidade muito estimulante para se trabalhar com artes plásticas. Temos uma Bienal do mercosul, um atuante Instituto de Artes, recentemente foi inaugurado a Fundação Iberê Camargo e, além disso, temos o museu de Artes Plásticas do Rio Grande do Sul. A Associação de Artes Plásticas Chico Lisboa está comemorando seu septuagésimo aniversário com um quadro de aproximadamente quatrocentos associados.
No ano passado foram realizados dois grandes eventos: ESSA POA É BOA e a BIENAL B, que reuniram mais de duas centenas de artistas.
O que é difícil e tem de ser mudado é a pouca divulgação que os meios de comunicação dão às artes plásticas. E com a inclusão das artes plásticas nas escolas de primeiro e segundo graus, consequentemente, poderíamos formar um público apreciador e consumidor de arte.
Há muitas coisas para serem abordadas nesta pergunta, que daria uma longa reflexão e conversa.
Para complementar o trabalho, além da entrevista com Zoravia Bettiol, incluímos as idéias de Fernando A. F. Bini, contidas no seguinte texto extraído do site http://www.muvi.advant.com.br/:
Curador ou “pendurador de quadros"?
Depois que, no início do século, Marcel Duchamp expôs um objeto de uso, um mictório, assinou, e decretou que era uma obra de arte, provocando uma inversão completa no mundo da arte; separando o artístico e o estético, ele não só “desestetizou” a obra de arte como também “estetizou” o nosso cotidiano e os nossos objetos de uso: o valor de mercado e o valor estético de um objeto de arte ficaram sujeitos a que o artista decida que ele é obra de arte e que o museu o acolha como tal (nominal e institucional).Se no passado, de posse de critérios estéticos, os críticos de arte tinham que auxiliar o público a ler e a entender as obras de arte, o que faremos hoje, numa época em que o artista faz “não importa o que” (Thierry de Duve) ou que “todo homem é um artista” (Joseph Beuys)?Sabemos, por Erwin Panofsky, a respeito das “propriedades sensíveis” das obras de arte, que elas possuem uma “camada primária de sentidos” a qual podemos penetrar com base na nossa experiência existencial, mas ele se refere também a uma segunda camada, pertencente a região dos significados e somente inteligível àqueles que possuem os conceitos que ultrapassam as propriedades sensíveis.O “olho” é um produto da história reproduzido pela educação e, a nossa capacidade de ver está associada ao nosso saber. Temos necessidade então de orientação para podermos ver e entender toda a lógica interna de uma obra e não somente fruirmos ingenuamente o que supostamente são dados para o deleite artístico. Para Anne Cauquelin, a arte moderna, produto da sociedade moderna, faz parte do “regime do consumo”: a arte é interpretada como objeto cultural que requer um consumo cultural e determina um mercado de arte. Era necessário excitar o desejo, de provocar, de fabricar a necessidade de possuir a obra de arte, e a arte moderna produz então a “crítica de arte”.A arte contemporânea está ligada ao regime da comunicação, a nossa sociedade é a de comunicação, com as suas redes e as suas “infovias”: “entrar na rede” é ter acesso (“é estar conectado”) a todos os pontos dos canais tecnológicos (telefonia, audiovisual, informática, inteligência artificial, etc.) que constróem uma realidade em segundo grau, uma realidade simulada (Paul Virillo, Jean Baudrillard). Esta sociedade tem necessidade de auxiliares da produção, de auxiliares dos artistas, pois aos artistas cabe a parte da criação da obra.Estes auxiliares são os críticos de arte, os assessores de imprensa, os agentes culturais, os jornalistas, os experts e os curadores. Por vezes o conservador ou o diretor de um museu pode desempenhar o papel de crítico ou de curador; o crítico pode não só escrever, mas também divulgar a obra do artista na rede de galerias e de colecionadores, realizar expertises de obras de arte ou ser curador de exposição.Se a intenção da arte de hoje é de trabalhar sobre a linguagem como comunicação, ela ultrapassa a Duchamp que seguidamente usava o jogo de linguagem articulando um objeto e seu título (por exemplo no mictório mencionado no início, ele assinou com o nome de R. Mutt, e isto foi nos Estados Unidos – mute em inglês é mudo: uma obra muda em significados? – o título The Fountain, A Fonte em português, mas La Fontaine em francês, sua língua original, pode se referir a Jean de La Fontaine, o autor das Fábulas). Agora as “proposições-títulos” são elas mesmas os objetos – tautológicos para Joseph Kosuth, que está assentado na arte conceptual.A atividade do curador é complexa e não se restringe a “pendurar os quadros na parede”, a “decorar o Salão ou a exposição” ou ainda dispor as esculturas no interior da sala. O Curador deve desempenhar, pelo menos, duas atividades simultâneas: a de organizar a exposição e a de fazer a sua crítica pois “se o curador não tem o trabalho de pensar criticamente a exposição, ele corre o risco de se ver como um simples “pendurador de quadros” (Stella Teixeira de Barros, curadora), a curadoria tem sempre que apresentar uma leitura crítica, pois uma exposição jamais escapa de um pensamento teórico que a sustente.De posse da idéia, o curador deve fazer a escolha do artista (ou dos artistas) e das obras (os artistas não sabem necessariamente escolher o melhor trabalho para representá-los), mas isto é também o papel do crítico. A preocupação com a montagem da exposição é que exige um profissional treinado para projetar a organização e a ocupação do espaço com as obras escolhidas, sobre a idéia preestabelecida. Nos aproximados de uma atividade de design da exposição enquanto atividade projetual de apresentação do produto. Mas a curadoria é ainda mais complexa, o público deve ser visto não como consumidor (da arte moderna) mas como receptor de informação, o curador deve provocar leituras, das mais fáceis para um publico leigo até as mais difíceis e deixar claro que esta é uma formulação possível, mas que existem outras. A arte atual utiliza com freqüência a citação, o simulacro, onde toda a história da arte está ai refletida, nesta diversidade de linguagens o curador deve ter a preocupação didática, é frustrante ir a uma exposição da qual nada se consegue entender, e não falo somente em relação às obras expostas.É ainda importante que o curador se preocupe com o folheto de apresentação ou o catálogo da exposição, escolhendo as imagens mais representativas que nele devem constar e fazendo, ao menos, o texto de apresentação, onde deverá deixar clara a(s) idéia(s) que nortearam a exposição.Muitas vezes a culpa de uma má exposição não é só do curador, diretores ou responsáveis por instituições quando o contratam já tem uma idéia pronta do que querem e dão ao curador pouca liberdade de agir sobre sua idéia, outras vezes querem que este se preocupe somente com a escolha das obras ou com a disposição delas no espaço da exposição.Isto se agrava mais entre nós onde não existem locais para a formação destes profissionais, que dada a sua complexidade deveriam ser preparados em cursos de graduação e de pós-graduação em nossas universidades. O Royal College of Art de Londres possui um curso de pós-graduação (Visual Arts Administration) com um programa prático de curadoria junto com as Galerias de Arte oficiais do Reino Unido. Na França existe a opção da formação como Comissário de Exposições desde a graduação, mas são os estudantes de pós-graduação que encontram melhores programas de prática de curadoria junto aos museus de Arte Contemporânea como é o caso da Galeria Nacional do Jeu de Paume.Não podemos esquecer que a arte é sempre o espelho onde o homem pode ler a sua verdadeira face; na arte contemporânea o “que mais interessa é exatamente o que de incerteza, de estranhamento, ela pode nos oferecer” (Agnaldo Farias), por isso a importância de profissionais competentes e bem preparados para que esta face estranha e incerta não seja equivocadamente mostrada.
Fernando A. F. BiniProfessor de Estética e História da Arte - Associação Paranaense de Artistas Plásticos
Agosto de 1999.
Avaliação crítica do grupo:
01) Da realização do trabalho:
A entrevista realizada com a artista e curadora Zoravia Bettiol foi bastante proveitosa, especialmente porque tivemos a oportunidade de conhecer o trabalho e de fazer contato com esta artista de relevante importância na história das artes do Rio Grande do Sul.
Entretanto, embora entendamos que as perguntas tenham visado, especificamente, esclarecer a atividade da curadoria de arte, as repostas deixaram algumas lacunas, que procuramos preencher mediante a inclusão de um texto do Professor de Estética e História da Arte Fernando A. F. Bini, ao qual tivemos acesso no site do Museu Virtual de Artes Plásticas (http://www.muvi.advant.com.br/).
Além da visita ao estúdio de Zoravia Bettiol, onde tivemos uma conversa informal e captamos algumas imagens, via e-mail, por preferência da própria artista, realizamos a entrevista (de 12 perguntas), no qual enfatizamos a finalidade da entrevista: “(...) essa entrevista visa, especialmente, esclarecer aos alunos do primeiro semestre a atividade do curador. Por essa razão, as perguntas estão restritas à curadoria, e não ao caro e rico trabalho da artista Zoravia Bettiol”.
Enfim, com a visão da artista e curadora Zoravia, somada à do professor de Estética e História da Arte Fernando Bini, procuramos atingir nosso objetivo de “montar um painel” informativo e crítico acerca da atividade da curadoria.
02) Do conteúdo:
A atividade do curador é complexa, pois abrange não apenas o aspecto físico da exposição, como a escolha dos artistas, das obras e de sua organização no espaço, mas também a idéia, o discurso que justificará aquela mostra.
O curador desempenha, basicamente, duas atividades: a de organizar a exposição e a de fazer a sua crítica.
Conforme refere o Prof. Fernando Bini: “A curadoria tem sempre que apresentar uma leitura crítica, pois uma exposição jamais escapa de um pensamento teórico que a sustente”.
Assim, ao conceber uma exposição, o curador terá em mente ou uma idéia, um assunto a ser abordado, ou algum artista ou obras específicas a serem mostradas ao público. E a partir disso, elaborará o discurso a ser apresentado no material gráfico, bem como a colocação dos objetos no espaço.
Tendo em conta que a obra será vista por espectadores, o trabalho do curador não consiste apenas em cuidar do espaço físico, mas também de todos os suportes de informação em torno disso: catálogos da exposição, com a escolha das imagens mais representativas, textos de apresentação e informação, como folhas de sala, que esclarecem as idéias que nortearam a exposição e etc.
Nesta relação, o público não deve ser visto como consumidor, mas como receptor de informação, de modo que o curador deve provocar leituras, “das mais fáceis para o público leigo até as mais difíceis e deixar claro que esta é uma formulação possível, mas que existem outras” (Fernando Bini). Para que isso ocorra, o curador deve apresentar a mostra de forma razoavelmente acessível, didática, segundo Zoravia Bettiol.
A arte contemporânea utiliza cada vez mais o simulacro, que reflete toda a história da arte (de acordo com Fernando Bini), e assim cada vez mais utiliza a citação, a palavra, o discurso, para orientar as possíveis leituras de uma obra.
Diante da diversidade de linguagens existente na arte contemporânea, o curador deve ter uma preocupação didática, para que a arte mostrada na exposição seja acessível ao público.
Quanto a este aspecto, cabe aqui citar a colocação de Zoravia Bettiol (gravada e apresentada em vídeo): “a crise grande que existe hoje não é com a arte contemporânea, é com os artistas, que fazem coisas tão herméticas que cortam a coisa mais importante para mim, na arte, que é a comunicação”. Enfim, para que o trabalho do curador obtenha um bom resultado é fundamental que ele tenha liberdade para escolher a forma como irá apresentar a obra ou o artista, e que a idéia que norteia a exposição seja disposta ao público de uma forma que provoque ao fruidor as mais diversas possibilidades de leitura.
quarta-feira, 9 de julho de 2008
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